Luciano Villanova de Oliveira Sacerdote Taoísta
O Ritual é a união com a Força Universal através do som, da palavra, da energia, da consciência e da ausência do ego.
O caminho espiritual do taoísmo tem basicamente duas metas simultâneas: alcançar o Um, o um do Rei de Jade (o Rei de Jade é a Consciência Pura e serena, repleta de vida, que governa todas as manifestações) e o Zero, o zero absoluto.
Essa prática também é vivida no ritual. Esse é o sentimento com que recitamos mantras, entoamos cantos, executamos as cerimônias. Unimos nossa força e nossa energia com a força e energia sagradas que nos integram.
O nosso Ch’i e a energia das divindades se tornam uma só energia; nossa consciência se ilumina com a consciência das divindades.
Desta maneira o Ritual cria força, cria energia e cria consciência.
A Sociedade Taoísta do Brasil realiza rituais de oferenda e purificação, abertos ao publico.
Os rituais Taoístas têm origem nos ritos antigos (de alguns milhares de anos). Através dos tempos, sofrem varias reorganizações. O ritual praticado pela Sociedade Taoísta foi organizado pelo Mestre Celestial há dois mil anos.
A função do ritual é fazer com que não somente através da meditação, mas também através do movimento, do gesto, do canto e das evocações, possamos chegar a uma integração maior com o mundo sutil do sagrado. O ritual amplia a consciência, abre as fronteiras invisíveis e, assim, traz a experiência mística.
A pratica ritualística é uma das formas de contato mais direta com o Sagrado. Visto que durante uma cerimônia religiosa estamos ritualizando palavras, gestos, atitudes e posturas de seres iluminados. Logo a incorporação da Força do Céu é direta.
É evidente que para que isso ocorra, tanto o sacerdote como o devoto devem se comportar de uma maneira muito especial, de uma maneira muito sincera, muito honesta, muito autentica.
E para falarmos sobre a pratica ritualística vamos inicialmente apresentar os principais rituais taoístas e depois a função, o significado e o simbolismo das partes que compõem um ritual.
No Taoísmo existem inúmeros rituais. Alguns mais gerais, outros mais específicos, dependendo da finalidade ao qual se destina. Os principais rituais Taoístas são os Rituais da Purificação, da Oferenda e da Distribuição. Dentre os três, o Ritual da Purificação é o de característica mais sóbria, mais comedida. É realizado diariamente nos mosteiros, pela manha, quando a energia está mais pura, de preferência no momento do nascimento da energia yang (entre cinco e sete horas). Como o próprio nome indica, sua pratica ns purifica. Por exemplo, podemos citar um trecho de uma de suas canções – Canção do Palácio da Água Cristalina: “O sopro-uno nasce no centro do abismal”. Ou seja, evocamos que a energia yang que está dentro da água nos purifique. Neste ritual pedimos ao Sagrado que nos tornemos Sagrado, para podermos colaborar no trabalho de tornar os seres Sagrados.
O Ritual da Oferenda é um ritual de característica menos sóbria que o anterior. É mais “descontraído”, passa um sentimento de alegria. É realizado diariamente nos mosteiros, entre as onze e treze horas, quando o céu encontra-se o mais próximo de nós e com o Maximo de energia. Neste momento tudo é luz, pois precisamente as doze horas não há formação de sombra. É um ritual no qual não pedimos por nós. Ao contrário, oferecemos oferendas como forma de agradecimento e doação ao Sagrado. Na impossibilidade de ser realizado diariamente, deve ser realizado quinzenalmente, quando a lua está cheia (luminosa) ou nova (obscura). Ou seja, agradecemos e reverenciamos o Sagrado tanto no melhor (luz) como no pior (sombra) momento.
O Ritual da Distribuição é o de característica mais lúgubre. É realizado todas as noites nos mosteiros, em geral entre as dezessete e dezenove horas. Na impossibilidade de ser realizado diariamente, deve ser realizado no mínimo quinzenalmente ou mensalmente. Também é realizado em festividades religiosas ou em datas encomendadas. Neste ritual pedimos pela salvação de entidades inferiores que estão presas no mundo astral. Assim, na sétima lua do calendário chinês (em torno do mês de agosto no calendário ocidental), quando a prisão terrestre se abre e as almas esfomeadas por vingança ou por carência se aproximam mais de nós, este ritual é de vital importância para aumentar a proteção pessoal e no desenvolvimento da compaixão.
Os rituais são realizados por um numero que varia de quatro a oito sacerdotes, sendo constituídos basicamente por um conjunto de cantos e mantras. Tanto os cantos como os mantras exercem um efeito positivo no sentido de moldar todos os seres de uma maneira que facilite o resgate do autentico vazio, o retorno a origem. Pois quando estamos recitando textos sagrados, estamos reproduzindo palavras de divindades. Conseqüentemente, a força espiritual dessas divindades se manifesta.
No caso dos mantras, alem do resultado da evocação propriamente dita, existem alguns efeitos provocados pela vibração/freqüência do “som de fundo” que são:
- A estabilização, a concentração e a unificação da consciência;
- A renovação da sua aura, do seu campo de força;
- A melhora da fluidez energética;
- O alivio das tensões.
Nos rituais também são utilizados mudras (Jue – sinal mágico), passos mágicos (Yu Pu – passos do Ta Yu) e selos mágicos (Fu). São realizados pelo regente em determinados momentos da cerimônia, sendo que os selos podem ser queimados ou visualizados.
As oferendas são compostas basicamente por Incenso, Flor, Água, Vela, Frutas e Alimentos.
O Incenso representa a Transcendência, a transformação do corpo físico em corpo etéreo, a dissolução do ego. Corresponde ao conceito Wu Wei, ação não intencional.
A Flor representa a Vida, correspondendo ao conceito Dez´Zan (Natureza – Naturalidade).
A Água (o chá) representa a Purificação, a remoção dos apegos, das loucuras e dos traumas. Corresponde ao conceito Chin Jin (Transparência – Pureza).
A Vela representa a Consciência, o encontro da nossa consciência com a consciência sagrada. Corresponde ao conceito Suen Hua (Transformação – Natural).
As Frutas e os Alimentos representam o despojamento dos valores materiais. Porque a comida é essencial para o ser humano sobreviver. Os alimentos devem ser vegetarianos.
Todas as oferendas, bem como todas as outras partes que constituem o altar, refletem nossa verdadeira identidade: uma consciência pura, livre de apegos e repleta de energia.
Os instrumentos ritualísticos devem ser utilizados somente em praticas espirituais (ritual, recitação de mantra e meditação). Existem oito tipos de instrumentos:
- Dzen – Prato singular;
- Djia – Prato duplo;
- Fu – Prato duplo grande;
- Shao – Prato duplo grande com relevo cilíndrico;
- Mu Yü – Peixe de madeira;
- Dzong – Sino de comando;
- Ching – Sino de acompanhamento;
- Di-Dzong – Sino do Imperador.
Os Pratos singular (1 é yang) e duplos (2 é yin) representam a alternância entre yin e o yang. Todos possuem o som grave, sendo que os duplos são mais graves que o singular. Os pratos duplos Fu e Shou significam felicidade e longevidade, respectivamente.
O Peixe de madeira funciona como marcador do tempo, sendo de grande importância no inicio do ritual para assentar a mente e na definição da velocidade de recitação dos mantras. Como os peixes não fecham os olhos, este instrumento carrega em si o simbolismo da concentração.
Os Sinos despertam a consciência, expurgando energias distorcidas. O Di-Dzong, Sino do Imperador, é o mais específico em termos de expulsar energias perversas. Funciona como uma vassoura que varre todos os excessos. Alem de suas denominações próprias, os sinos possuem uma denominação geral – Nim.
Nos grandes rituais também existe uma orquestra formada por sacerdotes e/ou músicos taoístas. Esta orquestra é formada basicamente por instrumentos de corda e sopro, como violino e flauta.
No altar predominam as cores vermelho, amarelo e dourado. O vermelho representa o fogo, a consciência. O amarelo e o dourado representam a iluminação. Juntos simbolizam a consciência iluminada, a vida.
Em um altar podem existir quadros com selos que possibilitam a conexão com uma divindade ou a imagem humana desta divindade.
As divindades que tem imagem humana são ditas personalizadas. Podem ser do Céu Anterior ou do Céu Posterior. As Divindades do Céu Anterior são divindades que nunca encarnaram, como por exemplo a Dou Mu (Mãe das Constelações) e as divindades do Céu Posterior são divindades que já passaram pela terra, como por exemplo Lao Tse (Senhor do Fim e do Principio) e Shuen Di (Imperador do Mistério).
A imagem humana de divindades que nunca encarnaram representa a possibilidade de alcançarmos, ainda na condição humana, o estado de consciência que uma divindade representa. As imagens de divindades podem ser feitas de madeira, metal ou louça.
Estas imagens, quando consagradas, passam a ser habitadas pelas divindades que representam. Quanto mais tempo uma imagem é cultuada, maior a sua força. Por outro lado, uma imagem que não é cultuada por um longo período, pode ser abandonada pela divindade que a corresponde e pode até ser tomada por entidades ou divindades da obscuridade.
Em geral, num altar, alem das imagens do Espírito Regente (Tzu Shen) e do Superior do Altar (Jien Tan), existem outras imagens de diferentes divindades.
O Espírito Regente é o regente do altar. Sua imagem fica localizada na parte central do altar.
O Superior do Altar deve ser escolhido entre um dos trinta e seis generais celestiais comandados por Shuen Di (Imperador do Mistério) no Ministério do Trovão. Os quatro generais mais conhecidos são o General Wang, General Wen, General Maa e General Zhao.
Não necessariamente, a imagem central do altar é a divindade de maior nível hierárquico. Alem disso, é importante destacar que a hierarquia funciona como um facilitador da compreensão dos diversos estados de consciência que cada uma das divindades representa, não devendo ser encarada no sentido pejorativo de melhor ou pior.
E com último aspecto a ser abordado, é fundamental lembrar que devemos encarar o altar como um espelho que nos diz: “Estou mostrando sua verdadeira identidade. Não se esqueça que todo o Sagrado está dentro de você, basta você Despertar e Renascer”.
Somente assim haverá a conexão do Shen interior com o Sagrado, a união do visível com o invisível, a quebra da estrutura do universo, a superação da barreira do espelho.