Oráculo: Consciência e Transformação

Oscar Maron Professor e Consultor de I Ching Flor de Ameixeira

Jornal Tao do Taoísmo – n. 19 índice

Pisar na cauda do tigre

Certa vez um grande goleiro de futebol do passado comentou: “Só observamos o quanto nossos movimentos são bruscos quando damos uma topada”.

Em qualquer caminho ou situação de vida, o principal risco de um homem ou de uma mulher é “pisar em falso” e agir em desacordo com sua realidade. Muitas vezes, nos momentos cruciais do destino, um passo – uma má avaliação ou ação equivocada – um pouquinho mais à esquerda ou à direta pode acarretar anos de boa fortuna ou de infortúnio.

No I Ching, usa-se a expressão “pisar na cauda do tigre”, que significa “andar na corda-bamba”. No Brasil, usa-se a expressão “pisar em ovos” para representar uma situação delicada em que todo cuidado é pouco.

Como observou o Mestre de Meditação Dzen I (647 d.C.), “o mais nobre de um homem é a sua vida, o mais nobre de sua vida é o seu Tao (Caminho). Diante desse objetivo, cada polegada de luz e sombra tem um valor inestimável”.

Yin/yang: harmonia e conflito

Através da consulta ao I Ching é possível perceber a tendência de consolidação das forças Yang/Yin (luz/sombra, força/suavidade, avanço/recuo, sucesso/fracasso, fluidez/estagnação) tanto no que diz respeito à consciência de si mesmo, como ao que se refere ao curso de nosso destino.

A filosofia do I Ching ensina que quando agimos com equilíbrio e harmonia, os elementos de força (yang) e suavidade (yin) estão balanceados. Porém, se uma postura yang predominar em excesso, estaremos em desequilíbrio para o lado da força (rigidez, obsessão, idéia fixa), e, fatalmente trombaremos de frente com a realidade.

Por um outro lado, se uma postura Yin predominar em excesso, estaremos em desequilíbrio para o lado da suavidade (fraqueza, apatia, ausência), e, certamente seremos atropelados pela dinâmica da vida.

Yin/Yang e o Tao nosso de cada dia

Porém é sempre bom lembrar que na filosofia do I Ching o “Caminho do meio” não significa ficar imobilizado, em cima do muro – “meio yin, meio yang” – entre a força e a suavidade. Muitas vezes na estratégia do I Ching, o equilíbrio está na sábia utilização dos extremos: ser capaz de ser determinado e avançar (Yang), ou, ser flexível e recuar (Yin), e não se atolar em nenhum lado – o eixo está sempre de acordo com a necessidade – é esse o “Caminho do meio”.

Alguns cuidados básicos devem ser observados na utilização do Yin e do Yang: existem circunstâncias próprias e impróprias tanto para se recolher (através de poucas palavras, gestos e manifestações) e cultivar a vida, como para se expandir (por meio de dinamismo, audácia e força) e avançar.

No momento Yin, em que se dispõe de pouca energia, é preciso não se desgastar, sobrecarregar, e saber fluir, acompanhar o momento, e se resguardar. Já no momento Yang, de expansão e vitalidade pessoal, é preciso saber canalizar a força para um objetivo determinado, a fim de que ela não transborde de maneira indevida e venha a causar problemas e desequilíbrios físicos ou psíquicos.

Por meio da revelação do I Ching é possível conhecer a dinâmica de nossa realidade (pessoal, afetiva, profissional, espiritual, psicológica), e a verdadeira necessidade e possibilidade de ação – medida certa da utilização e combinação adequada do Yin e do Yang.

Os homens sábios são aqueles capazes de compreender o processo que estão vivendo. A sabedoria do I Ching ensina a cultivar e a valorizar tanto o avanço (Yang) como o recuo (Yin). É preciso saber atuar com força e determinação na hora (Yang) de materializar as coisas. Ao mesmo tempo, é necessário saber desapegar, renunciar, resgatar a “Yin-teriorização” e viver a hora (Yin) de recolhimento para alcançar a quietude e a paz interior.

A fusão das polaridades yin/yang numa consciência iluminada (Tai Ji) ao mesmo tempo abrangente e flexível (Yin) e criativa e determinada (Yang) – capaz de simultaneamente acolher a realidade (Yin) e fecundá-la (Yang) é o grande tema, a alquimia, do I Ching.

Transmutação

Aquilo que designamos escuro na maior parte das vezes se refere à sombra que está em nossos olhos. O autoconhecimento é revolucionário e libertador. Permite entender, trabalhar os sentimentos, as motivações, os valores e as condutas negativas e conflitantes e transformá-los em vivências positivas e harmônicas que possibilitem construir um projeto de vida saudável e lúcido.

O filósofo Bérgson descreveu a consciência como “o traço de união entre o que foi e o que será, uma ponte entre o passado e o futuro”. O I Ching é a Arte da Consciência.

A consciência de si mesmo e do que acontece em torno possibilita ao homem apoiar-se no potencial da situação e tirar proveito da realidade, sempre de acordo com cada perspectiva de ação que se apresente no Caminho.

O Oráculo do I Ching baseia-se na clareza mental: saber o que você quer, saber com que situação está lidando e como fazer essa situação funcionar a seu favor.

Amarrar o burro

O Caminho do I Ching é o Caminho da experimentação: tem que vivenciar. A filosofia não pode ser apenas “o poste onde se amarra o burro”. Se os conhecimentos e a sabedoria do I Ching, não forem processados em nossa consciência, enriquecendo nossa vivência e visão da realidade, não poderão nos servir de instrumentos processadores da realidade.

O ideal da aprendizagem e vivência do I Ching é criar o Sábio em si.

O I Ching é a raiz do Taoísmo e do Confucionismo. Os “Princípios” que regem o Tratado das Mutações influenciaram toda a cultura do Extremo Oriente e deram origem a centenas de escolas de filosofia, meditação, astrologia, estratégia, medicina, artes marciais e alquimia. O Oráculo é uma oportunidade de acessar essa sabedoria.

O maior inimigo

Quando o Dalai Lama veio ao Brasil, assim que desembarcou no Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, um repórter de política, ávido por polêmica, perguntou a ele: – O seu maior inimigo é a China? E o Dalai Lama respondeu, sorrindo: – Não, meu filho, meu maior inimigo sou eu mesmo!

Um ótimo ensinamento. Sugere que devemos ter cuidado na hora de analisar o simbolismo da resposta do Oráculo (ou de uma situação de vida) para não restringir e aprisionar a realidade em códigos empobrecedores, produzidos pela visão individualista, mesquinha ou auto-referente.

O homem é prisioneiro de seu horizonte: a inteligência acessa a realidade, transformando-a através da combinação de conceitos (preconceitos) já existentes em cada um de nós.

Lutamos equivocadamente com unhas e dentes para defender a fonte de nossas ilusões. Na hora de avaliar a resposta, devemos ter cuidado para não ficarmos atolados na abordagem pessoal da personalidade e de seus interesses, necessidades ou interpretações.

O homem é intérprete de sua vida e destino.

Uma visão estreita da realidade torna a perspectiva da vida mesquinha.

A visão individualizada ou de apenas um aspecto particular, mesmo verdadeiro, não pode se tornar obstáculo para uma compreensão global. O sábio não é prisioneiro de seu ego. A questão não é renunciar ao ego, e sim, transcendê-lo e ter acesso a todas as tendências.

Ser sábio é preciso

Numa consulta ao I Ching, a capacidade de abordagem e o nível de interpretação do Oráculo sempre vão depender do conhecimento dos códigos, consciência e capacidade de análise/intervenção do consultor.

Um sábio sabe sempre encontrar independente do tipo de resposta – tanto o hexagrama “Opressão” como o “Progresso” tem suas armadilhas, ambos necessitam da presença iluminadora da sabedoria – a forma harmônica de lidar com qualquer situação.

Para avaliar com sabedoria é preciso ser tão sábio quanto o I Ching permite ser. A resposta do Oráculo deve ser “casada” com a filosofia do I Ching como um todo. O mais importante não é a resposta específica em si, e sim, compreender, experimentar e interagir de forma orgânica com a cosmovisão filosófica do I Ching.

É importante ter uma visão ampla e profunda, dos conhecimentos e técnicas da Tradição do I Ching – oráculo, filosofia, alquimia, estratégia – e conseguir aplicá-las dentro da perspectiva atual (que nunca antes existiu). A constante atualização é a essência do verdadeiro conhecimento das mutações. A sabedoria tem o sabor do momento.

O I Ching “banda larga”

Hoje em dia quem menos corre voa! O mundo moderno, cada vez mais desafiador, produz incessantemente informações (complexas e contraditórias) e dá cada vez menos tempo pra pensar, avaliar e decidir. É preciso cautela para não se aprisionar numa visão estática da realidade, e ao mesmo tempo não ser levado pelo ritmo vertiginoso das situações.

O Oráculo do I Ching Flor de Ameixeira pode ser feito mentalmente – sem ferramentas como varetas, moedas ou livro. O método da Ameixeira utiliza o conhecimento original de símbolos, números, imagens e dados astrológicos do I Ching, – que inspiraram os textos do livro – para transformar instantaneamente os fatos, sinais e acontecimentos observados no cotidiano (frases soltas, imagens na TV, direção dos ventos, atitudes, uma canção ouvida ao “acaso” no rádio) em respostas de I Ching que revelam a realidade e nos apontam a forma sábia de intervenção/participação no curso do destino.

Essa característica dinâmica abre uma dimensão completamente nova, de consciência, atuação e eficácia no mundo contemporâneo. Permite ao praticante, sem ser percebido, acessar a sabedoria do Oráculo do I Ching, “num piscar de olhos” e atuar de acordo com a velocidade, intensidade e necessidade da realidade em curso. Nos tempos da internet, podemos dizer que o I ChingFlor de Ameixeira é o I Ching “banda larga”.

Como já disse um grande analista

“A realidade que está na nossa frente está continuamente pedindo intervenção. Quem mandou estar diante de mim? Como não pediu análise? Pediu sim, se não, não existia diante de mim. Se existe está pedindo análise”. Não se pode pensar o universo sem fazer intervir a presença daquele que pensa, não somente enquanto observador, mas também como interventor, para transformar a realidade através do próprio fato da intervenção.

Liberdade

O oráculo do I Ching, ao possibilitar o acesso e compreensão da realidade dinâmica, por meio da avaliação das mutações, não se torna de forma alguma uma técnica determinista. Ao contrário, nas articulações cruciais da existência ele permite aos homens e às mulheres exercer da melhor maneira possível o máximo de liberdade. O livre arbítrio só pode existir com consciência sobre a realidade.

Olho vivo!

A aranha vive do que tece.

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