“Ver as coisas não significa ver as coisas com os olhos físicos, mas com a mente. Não com a mente, mas com o princípio inerente às coisas.”, SHAO YONG
Oscar Maron professor de Yi Jing (I Ching) e consultor de oráculos da Sociedade Taoísta do Brasil, e jornalista
Jornal Tao do Taoísmo – n. 14 índice
A maneira pela qual definimos e interpretamos uma situação é também o modo como nos engajamos na ação, participamos daquilo que nos acontece através da nossa compreensão.
A mente, a emoção, o corpo, o dinheiro, as relações, o governo, os emprendimentos, o mundo e o nosso próprio Caminho, tudo está em mutação e, obrigatoriamente, tem de ser avaliado. Porém, nem sempre nossa opinião sobre nós mesmos e o mundo condiz com a realidade, a incerteza brota de um e de outro pólo.
Freqüentemente, o sujeito observador surpreende seu próprio rosto no objeto de sua observação e, assim, perde distinção e clareza na análise dos fatos. Nossos sentimentos nos levam a ver as coisas subjetivamente e egocentricamente, são parciais e enganosos.
Os freqüentes erros de avaliação acontecem nas melhores famílias: numa pesquisa de duas décadas sobre tomada de decisões, feita com base nos executivos do mundo empresarial (publicada na Revista Exame) o professor Paul Nutt, do Fisher College of Businnes, da Universidade de Ohio (EUA), chegou a uma conclusão que destrói o “mito dos executivos especialistas em decisão”.
Após estudar mais de 400 decisões de executivos dos Estados Unidos e do Canadá sobre lançamentos de produtos, compra de equipamentos, contratações, política de preços e atendimento, o professor Nutt concluiu que “metade das decisões tomadas em uma empresa fracassa”.
Os motivos principais são vários, segundo o especialista: aderir e usar como âncora um príncipio inicial errôneo, escolher alternativas que mantêm o status quo, insistir em decisões anteriores erradas, procurar evidências confirmatórias e excluir do processo de decisão a pesquisa por informação contrárias, armadilhas de perspectiva, preconceito nas impressões, falta de noções de probabilidade, falta de humildade etc.
Quando estabelecemos julgamentos, seja com razão ou intuição, na grande maioria das vezes isso significa presumir que as coisas são assim, sem percebê-las como simplesmente são. Com isso, construimos perigosamente nossas ações sobre princípios precários. Surgem então desacordo e rejeição, fruto do desequilíbrio entre a pessoa, o pensamento e a ação.
“O espírito do homem é o mesmo espírito do Céu e da Terra. Portanto, quando alguém engana a si mesmo, está enganando Céu e Terra. Deve acautelar-se!’’ Shao Yong
Shao Yong (1011-1077), da Escola de Yi Jing (I Ching) Flor de Ameixeira, foi um dos mais sábios mestres de oráculos de Yi Jing (I Ching) de todos os tempos, também filósofo, poeta e alquimista. Historiadores da filosofia chinesa geralmente se referem a ele como um dos “Cinco Mestres da dinastia Song”. Shao Yong deixou ensinamentos valiosos, que podem ser aplicados tanto na análise dos fatos do cotidiano, quanto na postura correta para utilização do oráculo do Yi Jing (I Ching): ele observou por exemplo, que podemos lidar com as coisas como elas são, se não impusermos nosso ego a elas.
“O sábio concede a todas as coisas seus benefícios e esquece o seu próprio ego”.
Uma visão objetiva das coisas é não somente desejável mas necessária. Ver as coisas dessa forma significa não ser subjetivo mas, sim, seguir o princípio que é inerente às coisas e minimizar as próprias emoções, evitando assim a parcialidade.
A sabedoria popular diz: quem é martelo, vê tudo como prego.
O contrário da sabedoria não é o falso, mas o parcial. A parcialidade vem de se deixar cegar pelo acúmulo da experiência pessoal somada ao apego, que outra coisa nao vê a não ser o seu próprio desejo, sem prestar atenção nos demais aspectos envolvidos, por temor de ser contrariado. O sábio se cala para deixar a evidência falar. Realizar, em outras palavras, é tomar consciência da evidência.
O Yi Jing (I Ching) ensina que a principal questão não é o que o sujeito quer (obstinação) e sim o que a totalidade da situação implica. A visão individual ou um aspecto particular, mesmo verdadeiros, não podem ser um obstáculo à compreensão global. Na filosofia taoísta, rompe-se a contradição entre o ego e o mundo e, assim sendo, a atividade do sábio e a do mundo passam a ser uma só.
“O sábio reflete o caráter universal do sentimento de todas as coisas. O sábio pode fazer isso porque ele vê as coisas do jeito que elas próprias se vêem, ou seja, não subjetivamente mas do ponto de vista das coisas. Já que ele consegue fazer isso, como poderia haver algo entre ele e as coisas?”
Porém, como dizem os mestres ”nem sempre somos tão sábios”, e a consulta ao oráculo nos auxilia e fornece a indicação precisa de como as coisas estão, para onde elas tendem e como devemos atuar para encontrar o equilíbrio, de acordo com a situação e nosso objetivo.
Respostas! Aconselhamentos! Eis a função do oráculo. Se no oráculo o ponto forte é o augúrio que antecede a ação, por que então não analisar antes?
“Ver o pequeno e enxergar o grande”, disse Lao Tse. A Consciência exercida no princípio das coisas ilumina a potencialidade que cerca o ato. É sempre conveniente uma avaliação clara e dinâmica dos princípios ordenadores da realidade, ainda em seu germinar, para que depois não seja tarde demais e sejamos surpreendidos com infortúnios, humilhações e arrependimentos.
Na estratégia de Sun Tzu, “as tropas vitoriosas começam vencendo e procuram em seguida entrar em combate, ao passo que as tropas vencidas começam lançando-se ao combate e buscam, em seguida, vencer”.
Por meio do oráculo é sempre possível encontrar o caminho do Homem Superior, descrito pelo Yi Jing (I Ching) como aquele que, em qualquer situação de vida (64 hexagramas e 384 linhas do Yi Jing (I Ching)), encontra sempre, de forma sábia, lúcida e desapegada, o movimento de harmonização possível, através das quatro virtudes louvadas pelo oráculo: princípio, abertura, harmonia e retidão.