Mestre Cherng, após o retiro de um ano e meio na China, volta a ensinar Astrologia Chinesa / Zi Wei Dou Shu, faz uma revisão dos conceitos de Feng Shui e Hexagramas do I Ching.
Quem compreende o código essencial da vida transcende no tempo e no espaço. Se você compreende essa essência, tudo é Oráculo.
As práticas das Artes Taoístas abrangem diversas áreas. Qual seria o elemento comum entre elas?
Os elementos que congregam, que unem todas as Artes Taoísta, são, essencialmente, a Teoria dos Cinco Elementos e a do Princípio do Yin-Yang, originado do I Ching. Portanto, um profundo conhecimento do I Ching facilita tanto o domínio da prática, da ferramenta, quanto a qualidade de seu uso. Isso tanto no que diz respeito à sua interpretação (do I Ching), à leitura do Oráculo, como a utilização do Mapa Astral, a prática e a aplicação das técnicas de Feng Shui e às demais artes. Todas dependem dessa compreensão profunda do I Ching, essencialmente no que diz respeito aos conhecimentos do Yin-Yang e dos Cinco Elementos.
A que área de ensino você pretende se dedicar a partir de agora?
Basicamente eu vou continuar o trabalho que vinha fazendo até então: vou continuar com meus cursos avançados de Feng Shui, de Astrologia e de I Ching. Mas a ênfase que estou dando nesse momento também é voltar a falar sobre os hexagramas do I Ching, onde estão contidas todas as riquezas filosóficas dessa arte Taoísta. Isso é uma das metas.
Na verdade, o I Ching é o que você mais gosta de ensinar?
Voltar a dar aulas de I Ching é muito mais uma satisfação pessoal do que propriamente uma necessidade da instituição. Eu gosto de falar do I Ching eu mesmo enriqueço e reaprendo com ele. E também considero o I Ching uma das principais portas de entrada para o caminho espiritual do Taoísmo.
Você vê alguma diferença entre o I Ching da Sociedade Taoísta e o I Ching no Ocidente? Diferença de enfoque, de dinâmica ou de compreensão?
O mundo está aberto. Hoje em dia, as pessoas fazem livres interpretações de todas as coisas. Isso tem seu lado bom para a libertação da mente, do raciocínio… Tem seu valor como instrumento para o encurtamento da distancia cultural, para a integração das idéias. No entanto, muitas vezes, o ensino no I Ching no Ocidente está baseado, em boa parte, na livre interpretação ou num texto de tradução de segunda, terceira ou quarta mão. Isso faz com que, muitas vezes, a essência do ensinamento se perca. Também pode levar ao surgimento de erros de conceitos, de tradução, de mensagem. E, o que é mais grave, de má compreensão. É simples de entender. Vou citar um exemplo: é como os diferentes povos se cumprimentam, cada um à sua maneira, de um jeito diferente. Dizem que na Antiguidade, os primeiros ocidentais que chegaram à China, para demonstrar a boa vontade de travar amizade, rapidamente pegaram as mãos dos chineses e apertaram firmemente. Isso, para aqueles chineses, soou como uma agressão. Porque chinês não se cumprimentava. Educado, naquela época, era juntar as mãos e cumprimentar-se curvando um pouco o corpo. Juntar as mãos para cumprimentar e não tocar no seu oponente. E o ocidental rapidamente aperta a mão do outro. Isso é um exemplo do que pode causar equívocos e má compreensão. O I Ching é repleto de símbolos. Muitas vezes, esses símbolos são mal compreendidos. É como se fosse um cordial aperto de mão recebido como uma atitude agressiva. A diferença é que, nós, na Sociedade Taoísta, nos propomos a fazer um trabalho fundamentado na sua fonte, na sua origem. Nós procuramos explicar o mais claramente possível o significado original de cada frase, de cada símbolo, de cada mensagem. Porque nós acreditamos que somente conhecendo bem a origem das coisas é podemos fazer um bom uso delas ou, no caso do I Ching, um livre uso dele de modo correto e adequado e com maior precisão.
O que faz o I Ching dar certo? As pessoas conseguem compreender que o I Ching reflete todo o ciclo da natureza, a dinâmica do universo, o homem? As pessoas conseguem aceitar o ciclo dos 64 Hexagramas representando o Universo, mas têm dificuldade de entender que as moedas, as varetas, os números, os dados astrológicos ou os sinais externos façam com que se desvende o exato momento daquela circunstância. Jung criou o conceito de sincronicidade. Como é que isso é visto de forma original? O que faz com que, quando você jogue uma moeda, por exemplo, saia uma resposta certa e não saia uma outra qualquer? Não poderia sair qualquer uma?
Nós entendemos que, embora no Universo existam infinitas formas de vida e de coisas e que cada uma tem uma aparência ou um aspecto diferente do outro, existem também situações, coisas, histórias e culturas diversificadas. Mas, embora haja essa diversificação de infinitas coisas, todas elas portam dentro de si uma essência. Uma essência comum, um princípio comum de todas as coisas. Por exemplo: você tem pessoas morenas, louras e ruivas, mas todas têm cabelos. As cores podem ser diferentes, mas o cabelo continua sendo cabelo. Do mesmo modo, você pode dizer que, embora exista um infinito tipo de manifestações, todas as manifestações – e cada manifestação – existem em uma essência, que é comum e universal entre todas as coisas. Essas essências se constituem em forma de código; e códigos poderiam ser decifrados. E são essencialmente representados por números. Portanto, pode-se dizer que a estrutura matemática, a estrutura numérica das coisas, é exatamente a essência comum do todas as coisas. Todos os povos sabem contar de um a dez. Embora cada um conte de um a dez de modo diferente, usando uma língua diferente ou escrevendo de modo diferente, o 1 (um) de um povo e o 1 de outro povo continuam sendo o mesmo 1. E é através desses códigos essenciais que comungam todas as coisas que o I Ching atua. Usando moeda, através do jogo com moedas, obtemos os números. Usando qualquer outro sinal, também é assim. Conseguindo extrair o código numérico de uma situação, pode-se decifrar aquela situação. Extraindo o código numérico de um objeto, pode-se deduzir a natureza daquele objeto. E assim, extraindo o código numérico que envolve a vida de uma pessoa, pode-se decifrar a vida daquela pessoa. Então, o Oráculo é um processo que, por meio de algum tipo de jogo, nos remete ao Princípio Comum, à Essência de todas as coisas. Depois, através dos conhecimentos fisiológicos do I Ching, nós reinterpretamos esse código e o transferimos para o mundo real e acabamos decifrando o mistério.
Tem uma parte da pergunta que fica sempre misteriosa… O que faz com que as moedas caiam de uma maneira e não de outra? Existe alguma magia? O que faz essa ligação entre um jogo que parece puramente aleatório com a dinâmica do real?
Ele é aleatório e ao mesmo tempo não é. Todos os acontecimentos da vida e do Universo estão correlacionados. Então, sob esse ponto de vista, não existe nada aleatório, embora sejam manifestações naturais e espontâneas. Se você pegou uma moeda, jogou e caiu de uma determinada maneira, esse modo que ele caiu é o natural. Você pode perguntar: poderia cair de um outro jeito? Poderia, mas não caiu. Portanto, caiu aleatoriamente, mas caiu de um determinado jeito. Nesse sentido, é aleatório sim. Poderia ter caído de outro jeito, mas foi cair do jeito que caiu. Então, o jogo deixa de ser aleatório. Ele é natural. Muitas vezes nós confundimos aleatório com uma coisa espontânea, natural. Nós, muitas vezes, achamos que não é aleatório tem de ser algo mentalmente premeditado ou racionalmente construído. Mas, na verdade, não. Todas as coisas que nós comumente chamamos de aleatório são naturais, feitas com naturalidade. Por exemplo: ‘Ah, levantei aleatoriamente, peguei uma camisa azul, botei no corpo e saí’. Na verdade, essa condição aleatória significa que a camisa foi pega naturalmente. E, se é natural, não é aleatório. Você pode não ter uma pré-meditação racional, mas teve uma consciência do ato de pegar aquela camisa e vesti-la. Portanto, não se trata de uma atitude aleatória. Ela é natural. E o Oráculo é exatamente isso. Usa esse processo natural para extrair a informação. Já que nada é aleatório e tudo é natural – e num processo natural essas coisas estão interligadas e correlacionadas – entrar num ponto da correlação do Universo é entrar na própria estrutura do Universo. Ao entrar na estrutura do Universo, se desvenda o Universo através daquele ponto. Isso é como se você quiser tirar uma gota de sangue para fazer o exame de sangue de uma pessoa. Você tira essa gota em qualquer um dos dedos, na mão, no pé, na cabeça, na perna, e, de qualquer modo você consegue, através daquela gota, obter informações essenciais e necessárias através da análise do sangue. Do mesmo modo, através de um gesto, você consegue chegar à totalidade da vida, à essência da vida. Essência da Vida é como se fosse a análise do sangue. Pode-se tirar o sangue aqui ou ali e o resultado do exame será o mesmo. Portanto, o Oráculo não precisa ser radicalmente jogado de um modo ou de outro. Se você compreender essa essência, tudo é Oráculo. E em qualquer canto você consegue extrair a informação que precisa para a análise que será posteriormente interpretada e diagnosticada para responder a sua pergunta, sua dúvida e resolver o seu problema.
Ficou bem claro, agora. Para aproveitar esse exemplo, fale um pouco sobre a postura oracular correta, aquela na qual a qual a pessoa consegue jogar com desapego, com o espírito vazio, para poder enxergar melhor a questão e refletir sobre ela. Para certos exames de sangue, há restrições como jejum etc. O que poderia alterar um oráculo, no sentido de a pessoa jogar e se confundir com a resposta?
Acho que a análise do Oráculo é mais imparcial que um exame de sangue. Num exame de sangue há uma série de restrições que podem alterar o resultado e ocultar dados verdadeiros. O Oráculo, a principio, não sofre essa interferência. Portanto, jogando, basta ter um pouco de concentração e você pode extrair do Oráculo a informação de que precisa. O ’X’ da questão não é jogar. Jogar é fácil. Difícil, o que requer maior cuidado, é a interpretação, é a tradução. Para voltar ao exemplo: examinar o sangue de uma pessoa é fácil, desde que haja conhecimento cientifico para isso. É mais ou menos isso. Para interpretar um Oráculo é essencial que o intérprete esteja num estado bastante sereno da mente, da consciência, e com ausência máxima de apego de seus valores pessoais.
Equivale a um jejum, antes do exame de sangue, digamos assim? Pode-se dizer isso. Somente ficando isento de sua opinião pessoal é que se pode enxergar a opinião do I Ching, para desse modo, traduzir as informações corretamente. Obviamente, não podemos esquecer dos estudos clássicos, porque são essas as ferramentas que devem ser usadas na interpretação do Oráculo.
Você acha que para interpretar o I Ching uma pessoa que compra um livro (que agora dizem: seja você mesmo o seu consultor, o seu mestre, e aprenda sozinho: você pode consultar o futuro sozinho…) pode obter sucesso? Funciona assim ou precisa desse entendimento maior? Há um descompasso entre uma coisa e outra?
Não é impossível uma auto-aprendizagem de I Ching. Mas é, certamente, muito difícil esta tarefa. Isso em razão da riqueza do texto (rico em seus simbolismos), alem dos problemas de tradução, de livre interpretação, que podem levar o consulente para longe da essência do I Ching. E, no I Ching, quando não se encontra a essência dele, o trabalho se torna muito menos eficiente. Por isso, uma aprendizagem do I Ching é sempre boa, além do esforço próprio da leitura necessário e de um professor orientando, guiando o aprendizado. Até porque faz parte da tradição chinesa: sempre, com os ensinamentos escritos, ensinamentos verbais são passados de geração em geração dos mestres para os discípulos. Esses ensinamentos, que são uma soma de experiências e compreensão de milhares anos, que são toques importantes principalmente na parte prática do Oráculo, são passados ao vivo. Então, numa aprendizagem com o mestre existe uma transmissão invisível de energia do mestre para o discípulo. É preciso uma pessoa mostrando como o Caminho é para que a aprendizagem seja, no mínimo, mais eficiente e mais rápida. Caso contrario, muitas vezes uma dúvida ou dificuldade que você leva cinco, dez anos para superar, poderia ser resolvida numa aula em cinco minutos, já que a mesma duvida provavelmente já teria sido enfrentada anteriormente por todas as gerações de mestres. Por isso, a aprendizagem com o mestre, além da leitura, é fundamental. E a leitura deve ser feita sempre de modo global, cada anel dentro de outro anel. Um exemplo: não se pode ver a dor de barriga de uma pessoa só como dor de barriga. É preciso compreender que a barriga pertence ao corpo da pessoa, que pertence à vida, à rotina que inclui a alimentação e os hábitos dessa pessoa, que vive num determinado meio ambiente, com clima, natureza, poluição. Tudo isso está interligado. É um anel dentro de outro anel. Se uma pessoa tem uma visão maior, consegue ver mais nitidamente o envolvimento, as interligações e as causas do problema, de modo muito mais preciso, em vez de apenas entender a questão como uma simples dor de barriga, até porque simples dor de barriga não existe. Tudo é ligado. Esse mesmo princípio remete à leitura do Oráculo. Não existe só uma linha que traz uma informação isolada. A linha está dentro do contexto de um trigrama, do contexto de um hexagrama, do contexto de I Ching, que está no contexto da vida concreta que envolve a pessoa. Se assim não for compreendido o I Ching, a interpretação pode estar indo numa direção totalmente errônea.
Quais seriam as virtudes necessárias para que um consultor de Oráculos ou um astrólogo possa intermediar, interpretar e orientar uma pessoa sobre seu destino? Que virtudes são necessárias para que um consultor de oráculo ou um astrólogo possa se arvorar a mediar a vida de uma pessoa avaliando seu destino?
Um consultor precisa compreender que ele é um mediador, ele não é dono da verdade. Ele é mediador entre a mensagem cósmica e seu cliente, a pessoa que está necessitada de uma ajuda. Portanto, ele precisa, em primeiro lugar, se isentar de opiniões e gostos pessoais para que possa, de modo neutro, apresentar a realidade para seu cliente. A responsabilidade está acima de tudo e, claro, é necessário ter o conhecimento, uma aprendizagem prévia. Um consultor precisa ter pleno domínio do seu conhecimento, ele precisa saber o que está falando. Precisa ter um bom domínio da sua ferramenta. No momento da interpretação, ele precisa ter a neutralidade e a isenção de si próprio para poder revelar a opinião do Oráculo ou do Mapa. Mostrar a realidade para seu cliente e não tentar influenciar com seus gostos e opções pessoais. Todas as manifestações da vida podem ser compreendidas como uma energia, e essa energia pode estar atuando e se manifestando em diferentes níveis. O consultor tanto pode estar num nível mais baixo, como pode estar num nível mais elevado, mais espiritual. Muitas vezes, uma situação de dificuldades no nível material revelada através do Oráculo ou do Mapa, é entendida pelo cliente como uma facilidade ou uma oportunidade de desenvolvimento espiritual. Por isso, o consultor precisa ter essa percepção e mostrar para seu cliente que toda situação tem uma saída. E essa saída às vezes está em cima, às vezes esta em baixo e às vezes está no meio. E ajudar a pessoa encontrar essa saída e canalizar essa força para que a corrente da vida flua, vá para frente, porque a interrupção não existe. Ficar preso numa situação também não existe. O que é preciso é encontrar a saída, muitas vezes, num outro nível ou numa outra dimensão.
Então, de uma certa maneira, para dar esse tipo de orientação a pessoa precisa ser sábia? E o estudo traz esse tipo de sabedoria?
É isso.
Que benefícios você acha que o estudo das milenares Artes Taoístas pode trazer ao mundo que se anuncia no futuro?
O ensinamento Taoísta é um ensinamento sobre os códigos essenciais da vida. Quem compreende o código essencial da vida transcende no tempo e no espaço. Por isso, esses ensinamentos sobreviveram a todos os tempos e existem até hoje. Certamente, eles continuam a servir a nós – e continuarão até o futuro. Eles nos permitem ter uma compreensão mais global e mais profunda sobre o sentido da vida. Isso faz com que nós, no mundo do futuro, possamos vir a viver de modo mais humanizado, com maior compreensão e com maior paz interior diante das cada vez mais velozes modificações porque passam o mundo. É como se fosse um piloto de Fórmula 1. Quanto mais acelera a velocidade do carro, mais frio e mais sereno ele precisa estar para administrar as rápidas mudanças. E os ensinamentos das Artes Taoístas nos proporcionam ferramenta para o treinamento de pessoas. Além disso, permite que as pessoas, diante das mudanças da vida cada vez mais velozes, consigam ter um contraponto de maior clareza e serenidade interior para direcionar o rumo de seu destino.