Gestação e Nascimento

O Corpo, o Sopro e a Consciência

Márcia Coelho Sacerdotisa Taoísta – Professora de Meditação

Jornal Tao do Taoísmo – n. 12 índice

Segundo os Textos Sagrados do Taoísmo, o ser humano é constituído de três elementos: corpo físico, consciência e energia, que interagem e se estimulam entre si. Corpo físico é a matéria; consciência é o motor que gera as atividades mentais e psíquicas; e energia – chamada de Qì em chinês – é o elemento vital que permeia, impulsiona e dá vitalidade tanto à parte física, quanto à parte psíquica da pessoa. Por isso mesmo, um abalo de nível emocional pode gerar uma doença física numa pessoa e de forma contrária, uma doença física pode gerar alteração da consciência dessa pessoa.

Nós entendemos que existem duas qualidades de consciência: a consciência individual, ou ego, que vamos chamar de Huen, em chinês, um conceito muito próximo do que entendemos como ‘alma’; e a Consciência Universal, que vamos chamar de Shen, em chinês, e pode ser literalmente traduzida como Espírito. A diferença entre as duas é que a consciência individual, ou Huen, é personalizada e se apresenta de forma diferenciada, de pessoa para pessoa, enquanto a Consciência Universal, ou Espírito, habita em todos os seres e é única, no sentido de que não se modifica, independentemente da pessoa em que esteja se manifestando. A consciência individual representa o próprio ego de uma pessoa e está sempre levando seu ‘dono’ a se debater interminavelmente, na vida, entre o dualismo “razão e emoção”, ao passo que a Consciência Universal tem a qualidade de já ter transcendido tanto a razão, quanto a emoção, tendo-se transformado numa completa lucidez ou Iluminação.

Essas duas consciências atuam unidas e de uma maneira simultânea na vida de uma pessoa, mas quando a pessoa morre, as duas abandonam seu corpo e se separam: o Espírito ou Consciência Universal se dilui na sua própria Unidade e a alma ou consciência individual assume a sua identidade de ego. Quando o Huen se separa do Shen – ou quando a alma se separa da Consciência Universal – ‘adormece’ e passa a habitar uma dimensão no Espaço, que vamos chamar de ‘plataforma do destino’ ou ‘mundo das almas’, onde fica flutuando, à espera de nova encarnação. O Huen mantém seu temperamento e suas características próprias, é aquele que foi Fulano ou foi Beltrano em outras vidas, só que ele não lembra disso porque está adormecido.

No momento da fecundação, os três elementos vitais do pai e da mãe – matéria, consciência e energia – se fundem entre si, respectivamente e se doam ao embrião que está sendo formado. Nesse momento, já ficou marcado um código nesse novo ser que foi gerado: uma parte da sua futura personalidade, herdada das consciências dos egos do pai e da mãe, em termos de comportamento e temperamento (é quando se diz: Fulano puxou ao pai ou à mãe, com relação aos aspectos de comportamento e temperamento); uma parte da sua futura energia vital, herdada das energias vitais do pai e da mãe, em termos de disposição física e psíquica para a vida; e a quase totalidade da sua forma física, herdada dos fluidos vitais do pai e da mãe, em termos de códigos genéticos.

Mas simultaneamente à entrada das consciências dos egos do pai e da mãe, também entra nesse novo ser a Consciência Universal ou Espírito, que é uno e comum a todos os seres, origem de todas as existências. Essa Consciência Universal entra no embrião, da mesma forma como entra em todos os seres vivos: no momento exato em que eles são criados. A partir daí, durante os nove meses da gestação, o novo ser passa a habitar o útero da mãe, recebendo, através do cordão umbilical, a nutrição física, que exerce também função de veículo de nutrição energética e por todo esse período, sua consciência e sua energia vão ficar em estado de adormecimento.

Na fase final da gestação, as condições físicas e energéticas do feto já se encontram prontas para permitir ao bebê uma vida autônoma, fora da barriga da mãe: ele já tem uma estrutura física elaborada, já tem uma consciência própria e sua energia, plenamente desenvolvida, tornou-se bastante forte. Nessa hora, dependendo da natureza e do nível de desenvolvimento e integração dos três elementos que constituíram e alimentaram esse feto, a sua energia terá uma qualidade espiritual própria. Essa energia com qualidade espiritual assume, então, uma característica de irradiação, que vai ser percebida naquela dimensão do Espaço onde ficam os Huen, ou almas, flutuando, à espera de uma nova oportunidade de encarnação. Nessa etapa, a irradiação espiritual vai exercer a função de atrair para o feto a alma que se identificar com aquele nível de emanação e no momento em que se dá esse encontro, a alma encarna no feto.

Então, o que vai determinar o casamento da alma com o feto é A SINTONIA DA QUALIDADE ESPIRITUAL DA ALMA COM A QUALIDADE ESPIRITUAL DA IRRADIAÇÃO DO FETO: os dois devem estar vibrando em freqüências semelhantes. A alma, que está adormecida, não decide onde vai encarnar; e o feto, que também tem uma consciência em estado de adormecimento, não escolhe a alma que virá ao seu encontro.

Somente a partir da encarnação da alma, quando o bebê ainda está na barriga da mãe, ele passará a ter uma característica própria e quando nascer será Fulano, que foi Beltrano em outra vida, embora já tendo esquecido todas as suas vidas anteriores. A partir do momento em que a alma entra no feto, o bebê vai nascer, impreterivelmente; e quanto mais tempo a alma permanecer no feto, dentro da barriga da mãe, mais vai esquecer das vidas passadas.

Normalmente, a alma encarna no corpo a partir do sétimo mês, mas existem situações excepcionais, em que ela entra prematuramente, no quinto ou sexto mês, quando o feto ainda não está totalmente formado, fisicamente; ou tardiamente, na véspera ou no próprio momento do nascimento, no nono mês de gestação; ou, ainda, em situações de emergência, quando o parto se antecipa (por motivos físicos, de saúde ou acidentes, por exemplo, ou como conseqüência de abalos emocionais). Então, são muitas as possibilidades, mas em todas elas, quando a alma entra no feto, dentro da barriga da mãe, vem com muita atividade porque é ela que promove o nascimento do bebê.

Em termos de consciência, podemos dizer que logo após o nascimento, a Consciência Universal é predominante, no recém-nascido; em segundo plano fica a consciência recebida dos pais no momento da fecundação e, por último, a mais obscurecida e apagada é a consciência da alma, ou Huen. Mas conforme a criança vai crescendo e se transformando em adulto, a situação se inverte: a consciência trazida por sua alma vai se fortalecendo cada vez mais e se tornando a mais evidente das três, na medida em que gera e constrói passo a passo, nessa pessoa, o que chamamos de sua consciência individual, ou ego – esse é o processo de formação e solidificação do ego de uma pessoa.

A esse propósito, trazemos como fecho, o ensinamento da Tradição Taoísta que indica onde um taoísta espera chegar quando pratica seu caminho espiritual: “Fazer despertar – EM VIDA – a Consciência Universal, ou Iluminação, que está, na maioria dos seres humanos, escondida pela sombra do ego de cada um de nós.”

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