Luis Racioneiro escritor e critico de arte espanhol
“É de noite no Jardim Yun-Tuan. O jardim sorri para p seu interior como uma montanha cruzada por uma nuvem. A luz se foi revelando a escuridão: o ser e o não ser engendram mutuamente.” Este é um dos fundamentos da estética taoísta.
Em profundo acordo com a visão de Lao Tsé, os pintores taoístas tratam o espaço vazio como um fator positivo; não como algo que fica por preencher e sobra, e sim como o seio materno das formas; o manancial prenhe de potencia de onde, pela dança vital da energia, nascem todas as formas.
Amiúde encontramos pinturas nas quais o espaço vazio ocupa o centro e existem ramagens ou flores que entram no quadro por um lado. O espaço é o elemento principal nesses quadros. É muito difícil pintar o espaço, porque é pintar o vazio; no entanto os paisagistas chineses sabem a maneira de fazer-nos ver sem pintar, igual aos poetas que sugerem sem dizer. Sabem como Chuang-Tzu que a noite começa ao meio dia, e usam o que é para ressaltar o que não é: as formas para revelar o vazio. A magnífica representação do espaço nas pinturas chinesas, especialmente nas paisagens, onde muitas vezes as montanhas e outros elementos estão deliberadamente situados e desenhados para dar mais ênfase ao espaço, é um resultado direto da idéias taoístas sobre o grande vazio.
Essa sensibilidade para o não-ser, esta captação do vazio como algo tao real como as formas, essa culminante percepção do ponto quieto de onde o vazio gera a forma, de onde o ser e o não ser se chamam, é o centro da câmera do êxtase buscado e encontrado pelos catadores de silencio e pelos grandes artistas.
Os chineses colocam a atenção na transição entre ser e vazio.
Aqueles espaços crepusculares e vagos onde o nada segrega o ser; aqueles lugares misteriosos onde as coisas acabem e voltam ao nada; as suaves luzes, acabando em defeituosas sombras; os seres dissolvendo-se no nada; as formas fundindo-se no vazio. Esse mistério do ser e do devir, da transformação eterna de formas em vazio e de vazio em formas pela dança cósmica da energia primaria, são sugeridas pelos artistas taoístas pela gradação de traços e sombras. O jogo de neblinas e sombras que ocultam as montanhas fazendo-as emergir do nada é um meio de expressar o mistério da dialética entre o ser e o não ser.
O grande vazio é o espaço repleto de tao. Essa é uma das chaves da arte taoísta. O jardim nos revelou seus segredos. O vazio é uma das chaves da arte taoísta. Essa chave que abre o umbral entre a realidade e a ilusão foi utilizada pelo grande mestre Wu Tao-Tzu quando pintou sua vasta paisagem mural no palácio. O imperador ao vê-la estava rendido de admiração.
Então Wu Tao-Tzu bateu palmas e na pintura se abriu uma caverna. O mestre entrou em sua pintura e ninguém mais tornou a vê-lo. Como todo artista genial soube cruzar o umbral entre a realidade e ilusão. Detrás das formas se esconde o verdadeiro conteúdo, por isso Chuang Tzu dizia:
“O propósito das palavras É transmitir idéias Quando as idéias são compreendidas As palavras são esquecidas Onde posso encontrar um homem Que tenha esquecido as palavras Com esse eu gostaria de conversar.”