A Chave do Céu

Como se abre a porta do céu? É preciso uma chave, essa chave é a “ação feminina”

Wu Jyh CherngSociedade Taoísta do Brasil

Jornal Tao do Taoísmo – n. 15 índice

foto: Sacerdote Taoísta “sentado no silêncio”. Templo da Nuvem Branca, China

A porta do Céu é uma abertura para o universo maior. É o canal que leva a pessoa para uma consciência maior e ilimitada.

Na simbologia do I Ching, existe a trilogia do céu, da terra e do homem. O céu é a antítese da terra. A terra é finita e o céu é infinito. Pode-se medir o tamanho da terra mas é impossível se medir o tamanho do espaço. O portão do Céu se encontra dentro do homem e é uma abertura onde a consciência do homem pode se encontrar com a dimensão da infinitude.

Como se abre a porta do céu? É preciso uma chave, essa chave é a “ação feminina”. A ação feminina não é uma ação brusca mas sim uma ação suave. No I Ching, a linha Yang é a linha da força e a linha Yin é a linha da suavidade. Ação feminina é uma ação de suavidade. Não se pode abrir a porta do céu de forma brusca ou dura. Essa chave é a chave da não-chave. Para se abrir a porta do universo não se usa nem força nem conhecimento, mas sim o coração, através da ação feminina.

No imaginário ocidental, a ação feminina está próxima ao conceito da intuição. Na verdade, é algo mais amplo do que apenas a intuição.

Na prática mística entra-se nesse canal para se atingir o estado da infinitude da consciência e da vida. Não se abre essa porta através de pensamentos nem de força, mas sim de algo mais sutil. Então, é preciso ir sutilizando a consciência para fazer essa passagem. É uma passagem para o outro lado que é o infinito, sendo esse infinito de um tamanho infinitamente reduzido. Quanto mais sutil a pessoa se tornar, mais sutil também se torna a porta, apenas que sempre mais sutil do que a pessoa, então é preciso se sutilizar ainda mais… Através da ação feminina, a pessoa vai se sutilizando cada vez mais até se igualar com a sutileza da porta do céu. Então se atravessa o vazio até o absoluto. A pessoa se torna o próprio vazio do absoluto. Nessa hora, faz-se a passagem para o outro lado. É uma viagem infinita que se vai entrando… entrando… entrando… entrando…

Na prática inicial da meditação sente-se essa sensação. É uma sensação de estar entrando dentro de um tubo e não ter mais o corpo físico, nem memória, nem pensamentos: apenas uma consciência sempre mais e mais sutil. Isso é abrir a porta do céu através da ação feminina. Esse conceito é importantíssimo em relação a nossa prática mística, pois permite alcançar um nível de consciência cada vez mais sutil até alcançar uma consciência ilimitada. Quando, por meio da meditação, se alcança esse nível de consciência, atinge-se o Vazio, alcança-se a Não-existência, a Abrangência.

A existência representa a manifestação, a criatividade. Ela é – num exemplo – como uma representação teatral, que tem o seu começo, seu durante e seu fim. Porém o espaço, o Vazio de que dispõe o teatro para que possa haver cenário, palco, espetáculo, trama, atores: isso é a não-existência. Essa não-existência é o Vazio que permite a forma existir. É o silêncio do teatro que permite a voz e o som dos atores serem ouvidos.

Igualmente, em nossa vida, se tivermos um espaço em nosso coração, podemos abrigar as expressões da vida. Se existir um silêncio em nossa mente, podemos ouvir e expressar a sabedoria da vida. Por isso, no Taoísmo enfatizamos como prioridade o trabalho da meditação.

O que é o trabalho da meditação? É o trabalho do silêncio, o trabalho do Vazio. Fechamos os olhos, trazemos a consciência para o interior, tentamos reduzir os pensamentos e diálogos interiores para podermos ter o silêncio dentro de nós. Quanto maior o nosso silêncio, maior percepção desenvolvemos. Quando estamos no silêncio, podemos observar e perceber muito mais sons e vozes. Analogicamente, isso significa que quanto mais quietude interior temos, maior capacidade teremos para observar, pensar e discernir as coisas.

O silêncio interior é essencial.

Quando temos muito barulho interior, temos menos capacidade de discernir o que deve ser feito, o que é correto, o que é oportuno, o que é inoportuno. E devido ao tumulto interior acabamos tomando decisões erradas e entramos em atividades no momento inadequado. Por isso o silêncio é prioritário.

É a não-existência que permite a existência.

O resgate deste vazio é a base do caminho espiritual. Sua importância pode ser sintetizada através da história que narra o encontro de um mestre com um discípulo que, na busca da confirmação do seu caminho espiritual, procura derrubar o mestre em um debate altamente metafísico, repleto de conceitos e teorias. Ao perceber o problema, o mestre oferece chá para o discípulo. Ao servi-lo, o mestre enche completamente a xícara e deixa o chá transbordar continuamente. Ao avisar o mestre que o chá está transbordando, recebe o seguinte ensinamento: “Pois é meu caro rapaz, quando a xícara está cheia, não cabe mais nada dentro dela. Por isso, o vazio interior é fundamental.” Em geral, nós estamos tão cheios, com tudo tão espremido e comprimido dentro de nós, que nos tornamos rígidos e sem espaço para a entrada de uma nova idéia, conceito ou energia.

Por isso os mestres taoístas dizem:

“Caminho é Vazio.Virtude é Vida. Vida que corre no Vazio é a Virtude que existe no Caminho.”

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