Visão antecipada é uma consciência lúcida para ver uma situação e ter a clara percepção do rumo que vai tomar. É o que Lao Tzé chama no livro Tao Te Ching de “conhecer o pequeno e enxergar o grande”. Através do Silêncio Interior, o taoísmo nos explica como podemos antever o rumo das coisas e viver em maior harmonia.
Wu Jyh Cherng Sacerdote Taoísta Presidente da Sociedade Taoísta do Brasil
Uma pessoa lúcida é capaz de descobrir coisas observando pequenos gestos ou acontecimentos. No I Ching, o hexagrama 0 – Abrangência diz que quando o homem está trilhando sobre a geada sabe que em breve vai haver gelo. Alguns poderiam argumentar que isso é óbvio. Em lugares onde as estações são mais definidas, se houve geada você deduz que em breve vai nevar porque esse é o curso natural das coisas. Mas é esse mesmo o objetivo: a visão iluminada enxerga o óbvio.
Do mesmo modo, o Homem Sábio, por ter uma lucidez maior, quando em determinada situação percebe a tendência de comportamento de uma sociedade, de uma empresa, de um grupo de pessoas ou da humanidade, consegue enxergar que o mundo caminhará desta mesma maneira. Isto é que o Mestre Dzen-I chama de “visão antecipada”, uma forma simples de enxergar as coisas.
Homem sábio é aquele que sabe enxergar antes do tempo, antes do acontecimento. Mas esse conceito não pode ser confundido com o estereótipo da premonição.
A diferença entre um sábio e uma pessoa comum é que a pessoa comum consegue ter a visão antecipada numa escala menor, e o sábio, como homem iluminado, tem essa visão para coisas maiores, e por isso consegue identificar o rumo das coisas, seus desdobramentos e o que poderá acontecer nos anos seguintes. É o grau da visão, resultado da nitidez da consciência de cada pessoa, que faz a diferença. Dessa forma, quanto maior o grau de quietude e transparência interiores, mais percepção verdadeira se tem.
O perfeito exame de um homem capacitado – analisar uma situação com o objetivo de discernir seu sentido – poderia ser feito em vários níveis. A pior forma é julgar preconceituosamente uma situação, tomar medidas erradas em função da avaliação incorreta e tudo se transformar em desastre. Outra forma é adotar metodologias, aplicar fórmulas para análise da situação: estratégias, métodos de marketing, estatísticas, etc. Esse grau já é melhor que o anterior, que quase sempre erra as avaliações porque segue apenas preconceitos, sem qualquer método.
O mais alto nível de exame é simplesmente tomar conhecimento da situação e ir direto para a sua raiz, para o ponto-chave da questão. Mas você só pode ter essa concepção direta quando seu ego está ausente, a consciência está clara, e você não abriga qualquer intenção pessoal. Se você, por interesse pessoal, prefere que uma situação se desenrole de determinada maneira, isso é ego. E quando o ego está agindo, ele mesmo já coloca uma lente colorida na frente dos olhos e impede a percepção real da situação, porque o interesse pessoal interfere na visão.
É preciso ter consciência do passado para enxergar o futuro.
Para não haver interesse pessoal interferindo na análise de uma situação, é preciso anular o ego, se colocar de uma maneira transparente, quieta. Aí você vai conseguir enxergar melhor. Ao invés de se utilizar de “formulas de manipulação”, deve-se responder à realidade de maneira direta, sem qualquer intenção. E para não ter intenção, você deve ser menos egoísta, esvaziar o coração para escutar, ver e saber o que acontece; perceber a felicidade e o sofrimento do passado e do futuro.
Existem pessoas que bloqueiam os sofrimentos passados para não sofrerem mais. O passado não deve ser bloqueado; é preciso ter consciência dele porque quem esquece seu passado não consegue enxergar bem seu futuro. Por isso, Mestre Dzen-I diz que é preciso saber o que você busca e o que deve evitar no seu destino. O arquivo da experiência deve ser visto não como um trauma, mas como uma chance de compreender as coisas e enxergar o futuro para saber que rumo você segue e o que evitar.
Sempre vivemos na alternância entre o movimento e a quietude. Em ambos os casos você pode encontrar a boa fortuna e o infortúnio, situações boas ou ruins, ou coisas que fazem bem e que fazem mal. É preciso compreender que circunstâncias são essas, o que é a boa fortuna e o infortúnio na situação. Às vezes julgamos algo bom ou ruim, mas a realidade é o contrário do que julgamos.
Quem tem lucidez interior e a consciência autêntica – ou uma consciência mais quieta – pode natural e automaticamente compreender o que é favorável e desfavorável para si próprio. A visão distorcida não permite a distinção do que faz bem do que não faz, principalmente com relação a questões pessoais. Um exemplo é quando todos percebem alguém indo em direção a um “abismo” e só a pessoa que está mal não percebe porque sua visão está distorcida. Quem está fora enxerga melhor porque não tem interesse pessoal envolvido, o ego não está participando. Mas não vai adiantar avisar porque quem está no erro vai insistir em permanecer nele.
Como ter uma visão mais próxima da realidade, menos distorcida? Alcançando mais a quietude e silencio interior para ouvir, ver, escutar, sentir e perceber a essência de todas as coisas. Por isso, no taoísmo damos extrema ênfase à pratica da meditação porque a meditação é um exercício que ajuda a conquistar, restaurar ou recuperar essa quietude que está na natureza humana.
A meditação deveria ser praticada diariamente durante 15, 20 minutos, ou mais, para restaurar a luz, a transparência e a lucidez que permitem viver mais autenticamente. Dessa maneira, você consegue distinguir a boa fortuna do infortúnio, identificar onde está a felicidade e onde está o sofrimento e, assim, caminhar naturalmente na vida, com maior grau de contentamento, paz e harmonia.
O homem não precisa sofrer para viver. Pelo contrario: deve viver repleto de contentamento, em harmonia. Para o taoísmo, o homem não encarna na Terra para pagar carmas e sim para aprender a não pagar carmas e criar uma vida maravilhosa e harmoniosa.