“Quem possui harmonia e naturalidade não se assusta com o raio e o trovão que destrói a montanha, nem se amedronta com a arma branca que cruza a sua frente.” Discussão sobre meditação, Mestre Dzen I (647 DC)
Wu Jyh Cherng
Sacerdote Taoísta
Ordem Ortodoxa Unitária
Presidente da Sociedade Taoísta do Brasil
Quanto mais uma pessoa pratica meditação, quando alcança a serenidade interior, mais calma fica.
Tanto que quando acontecem situações extremas, como raios, trovões, barulhos e ameaças, consegue encará-las com mais tranqüilidade exatamente por ter essa tranqüilidade em seu interior. Com isso, vai conseguir se sair melhor em situações extremas.
Nas escolas orientais de Artes Marciais, por exemplo, é comum o mestre mandar seus discípulos treinarem não só a arte marcial, mas também praticarem a meditação durante 15 ou 20 minutos por dia, porque a meditação traz serenidade interior – o que significa redução da insegurança e impulsividade. Dessa forma, o discípulo passa a ter serenidade para olhar e encarar as coisas sem que seu coração fique estremecido.
A meditação, então, permite ao praticante ter mais serenidade para lidar com as situações da vida. É comum, inclusive no meio empresarial, industrial ou executivo, a aplicação dessa prática da meditação durante um curto período do dia para alcançar um efeito terapêutico, já reconhecido no Ocidente: os executivos passam a ter mais tranqüilidade, concentração e disposição para enfrentar uma vida estressante de disputas de mercado.
No Ocidente, meditar significa pensar, questionar, refletir e isso é o contrario do sentido que se dá à palavra meditar no Oriente. Na meditação que chamamos “tipicamente oriental”, você entra na quietude interior, e nesse estado deixa de pensar, questionar e fazer reflexões. Essa quietude não é sinônimo de vazio, de vácuo ou de ausência. Pelo contrario, é um estado em que você rompe as limitações do mundo sensorial, rompe a barreira do mundo físico e, por não estar mais ligado a esse mundo, consegue ir para um universo que está alem do sensorial, do pensamento, da forma, do corpo e da matéria. Nesse estado, então, você consegue se conectar com uma dimensão muito maior do ser e a sua consciência começa a se ampliar.
Através da profunda quietude podemos renovar nossa consciência, através do não pensar podemos eliminar pensamentos negativos, neurótico, etc. Jamais conseguiremos jogar fora nossas neuroses e nossos pensamentos através do próprio pensar; nós só conseguiremos fazer isso não pensando.
Pensamento e emoção acontecem automaticamente dentro de nós. Ou seja: nem sempre você consegue deixar de pensar em coisas que não deseja, porque os pensamentos independem da vontade. Uma pessoa com grande força de vontade, equilíbrio e estabilidade emocional, consegue ter pensamentos mais serenos, ou nem pensa coisas desagradáveis, porque sabe se controlar. Mas outra pessoa, com menor grau de serenidade interior e menos força de vontade, não consegue ter domínio sobre seus pensamentos e muitas vezes, devido à falta de autocontrole, os pensamentos são negativos e neuróticos. Essa pessoa, apesar de saber que esses pensamentos não são bons, e apesar do seu desejo de interromper este fluxo, não consegue deixar de pensar, não consegue deixar de se aborrecer. Mas a pratica de meditação normalmente permite que ela alcance um estágio em que tenha menos esse tipo de pensamento e, quando se manifestarem, sejam mais harmonizados. Com o tempo, ela não pensa mais em coisas que deseja e que não lhe fazem bem.
Então, com a prática de meditação você consegue chegar à serenidade interior. E com a serenidade interior, você consegue enxergar melhor as coisas. Isso é expansão da consciência. Quando você está com a cabeça muito tumultuada não consegue ouvir nem enxergar direito o que está à sua volta. Mas quando há menos ruído e tumulto, você pode pensar, raciocinar, escutar, enxergar e compreendes melhor tudo ao seu redor. Por isso, através da quietude, você consegue adquirir a expansão da consciência.
A quietude não é o fim, o objetivo, o estágio final de uma caminhada espiritual, e sim o inicio dessa “grande viagem”, o aprofundamento da viagem. É preciso chegar a esse ponto onde a mente está completamente esvaziado, em profunda quietude, para conseguir abrir a chamada “Porta do Mistério”. Abrindo essa porta, você se conecta com todas as manifestações e sinais de vida do Universo, adquire a consciência universal, a força e a vitalidade do Espírito Universal, se torna uma pessoa mais universal, mais afetuosa, mais consciente. Isso é a expansão da consciência.
O Universo manifestado é extremamente grandioso. Nele estão contidos infinitos universos e infinitas dimensões. São mundos paralelos, diferentes, sutis. É preciso estar no estágio de profunda quietude para perceber a existência destas manifestações, existências e universos, para receber as autênticas revelações e as autênticas inspirações. Mas você precisa estar na profunda quietude para ir além do universo manifestado, ir para o anterior desse universo, que é múltiplo e misterioso, ir para a origem de todas as coisas, para o próprio vazio que permite a existência do universo. Quem alcança esse estado alcança então o Absoluto, que no taoísmo também é chamado de Tao.
Todos os pensamentos, imagens, visões, mesmo que se tratem de manifestações místicas ocorridas antes do estágio da profunda fixação, ainda estão no mundo do subconsciente, do inconsciente, dos símbolos, das memórias, dos resíduos da vida manifestada.
Então, é preciso ir para além dessa vida manifestada, despertar para o mundo da iluminação e passar a receber as coisas desse “mundo do mistério” de uma maneira simples, direta e autêntica.
Sem egoísmo e sem interferências. O estágio da quietude, portanto, é a construção básica de uma grande viagem.