Aquilo que se olha e não se vê, chama-se invisível. Aquilo que se escuta e não se ouve, chama-se inaudível. Aquilo que se abraça e não se possui, chama-se impalpável. Esses três não podem ser revelados. Por isso se fundem e se tornam um.” Lao Tze
Newton Rezende Professor de Arte da Guerra Sociedade Taoísta do Brasil
Jornal Tao do Taoísmo – n. 11 índice
A forma como percebemos um acontecimento, uma palavra ou uma pessoa depende muito do nosso sistema de valores. Apegos, preconceitos e desejos são névoas que distorcem os fatos e dissipam nossa clareza mental, distanciando-nos cada vez mais da realidade. Uma mesma coisa pode ser entendida de modo totalmente oposto por dois indivíduos que têm lentes distintas. Além disso, nós compreendemos e reagimos às mesmas situações de forma diversa em momentos diferentes, tudo depende da nossa condição mental e emocional.
“As coisas raramente são boas ou más, nosso pensamento é que as faz assim” Shakespeare
O que seria possível fazer para romper a barreira do ego e eliminar as lentes que distorcem?
Antes de tudo cabe relembrar a lição do Tao em torno da unidade e refletir sobre o mecanismo cósmico que conecta todas as coisas. Não vemos mais o universo como uma coleção de partes isoladas, mas como um todo unificado onde o elo entre um elemento e outro é invisível. Qualquer ato tem um reflexo, um ajuste, conseqüências. Quando passamos a ver o mundo em termos de totalidade e processo ficamos capacitados para enxergar os sinais e prenúncios. Essa visão profunda e abrangente permite-nos identificar as tendências dos fatos em sua origem e prever o possível desenrolar de uma situação. Aprendendo a perceber o elo, compreendemos a interdependência e passamos a analisar com olhos mais apurados a relação de causa e efeito.
Como nos desenvolver para que sejamos capazes de atravessar as estruturas aparentes e ver o mundo como uma dinâmica interligada?
Para começar, temos que ter plena atenção, estar presentes e conectados a tudo e a todos. Tire o foco de cima de você. As pessoas se distanciam em monólogos interiores, cheias de ansiedade, olhando apenas para si mesmo. Comece a praticar cotidianamente uma maior concentração, olhe nos olhos e ouça atentamente, a fim de captar a linguagem não-verbal das ações e gestos. Ou simplesmente ande pela sua rua e observe atentamente cada prédio, as árvores, suas mudanças com as estações, as cores. Veja quanta coisa passa despercebida.
Depois passe a observar as coisas de uma maneira contemplativa, sem intenção, desprendida de valores, idéias, hábitos, preconceitos e apegos. Varrendo esses elementos da mente, deixamos a consciência pura para observar — um observar sem a intenção de achar algo. Assim, as coisas são reveladas nuas e cruas, e passamos a enxergar a realidade sem filtros, trazendo-a para dentro de nós.
“Quem conduz a realização do corpo por abraçar a unidade pode tornar-se indivisível”. Lao Tze
A primeira contemplação é racional, e diz respeito a olhar tudo à nossa volta e perceber que existe uma força criativa e invisível por trás. Você deduz que existe uma energia pela ação que todas as coisas demonstram. A segunda é intuitiva e não uma percepção visual e física. Para senti-la você tem que ser sutil e ver além das aparências. Deve usar o coração e a sensibilidade para entender o que está por trás da forma, das palavras e das pessoas. Num terceiro nível, você poderia usar a sua própria energia para perceber a energia, e nessa hora não existe o eu e o outro. O sujeito e o objeto se dissolvem, não se polarizando. Sua consciência passa a ser em forma de energia, e como a energia do universo está interligada, você passa a compreender as conseqüências de todas as coisas percebendo a realidade de uma forma global e não mais linear.
“Contemplar o curso do céu e praticar seu movimento, isto é o designo da plenitude”. Imperador Amarelo
Então, para desenvolver nossa percepção, devemos ficar atentos aos sinais, captando-os de uma forma contemplativa, com consciência da interdependência entre todas as coisas. E para isso, é fundamental encontrar uma profunda quietude interior, libertar-nos de toda a bagagem que nos cega através da meditação diária, e conectar-nos com o mundo real. Descobrir uma fonte profunda de paz interior permite-nos perceber o mundo com maior clareza e agir com mais eficácia, tornando nossa vida mais verdadeira, mais equilibrada e mais produtiva. Assim, aumentaremos nossa capacidade de transformar a percepção em informações relevantes e poderemos fluir como parceiros da realidade.