A grande viagem do mistério começa na quietude …
Mestre Wu Jyh Cherng, Sociedade Taoísta do Brasil
Jornal Tao do Taoísmo – n. 17 índice
Na China, a Tradição Taoísta é também chamada de ‘Tradição do Mistério’. A tradição do mistério é a tradição que busca uma vivência através de uma prática mística que nos conduz a um universo mais profundo. Nesse universo não há limitação, não há linguagem, não há forma, porém, é um universo que abraça todas as linguagens e todas as formas.
Essa vivência, esse caminho, se realiza através do alcance do extremo Vazio e da permanência nesse estado – mesmo que a pessoa esteja em estado de lucidez. Devemos entrar no Vazio da extrema quietude e permanecer nesse estado mesmo que estejamos em atividade. É fácil estar na quietude quando estamos fora da atividade; difícil é estar em atividade e ao mesmo tempo permanecer na quietude. Didaticamente, portanto, é necessário primeiro renunciar a atividade para se poder entrar na quietude e só então retornar a atividade sem perder a quietude que foi conquistada quando estávamos quietos.
Esse é exatamente o processo do efeito da meditação.
O que é a meditação? Fechamos as portas e as janelas, desligamos o telefone e colocamos um aviso de ‘não perturbe’ na porta. O que então acontece? Estamos nos isolando da atividade para entrarmos na quietude. Através do processo da quietude, alcançamos o Vazio. E conquistada a calma da quietude, do vazio, saímos da meditação, voltamos a abrir portas e janelas, religamos o telefone e começamos a trabalhar e a falar com as pessoas. Ainda permanece dentro de nós, no entanto, aquele efeito da quietude que foi conquistado através do isolamento.
Dessa maneira, uma pessoa que encontra diariamente um tempo para se isolar e entrar na meditação, quando volta ao mundo, carregará consigo aquela quietude enquanto exercer suas atividades cotidianas.
Na meditação taoísta chega uma hora em que se atinge uma dimensão onde se encontra um buraquinho. Esse ponto é chamado de Orifício do Mistério ou Portal Negro: uma espécie de buraco negro, onde tudo nasce e onde tudo desaparece.
Para o iniciante, esse efeito não dura tanto tempo.
Para um praticante de nível mais elevado, é possível entrar em meditação e sair dela permanecendo com a mesma calma e quietude até a próxima meditação. Para este, a quietude não é alterada durante o seu dia: algumas horas ele pode passar em quietude, até mesmo uma quietude física. Em outras horas, ele estará trabalhando, conversando, agindo e seu corpo físico também estará agindo, mas ele terá sempre a mente quieta. Sua mente é igualmente quieta durante a meditação ou fora dela. Se houver alguma oscilação, será mínima.
Como se faz essa entrada na quietude? Através do alcance do extremo Vazio. Esse extremo vazio é o sublime Vazio que abrange todas as coisas, é o próprio Absoluto, o próprio zero da matemática.
É permanecendo na quietude da extrema quietude, da sublime quietude, que a pessoa consegue se realizar.
Nós encontramos no universo uma enorme diversidade de coisas: o homem, o cavalo e outros seres vivos; as pedras, montanhas, vulcões, rios, o sol… Todos se manifestam simultaneamente no universo, cada um à sua maneira de expressão, num estágio, numa dimensão, com uma característica própria. Em todas as coisas existe a raiz primordial que é comum a todos que estão em manifestação e que também têm o seu momento de repouso.
É exatamente através do processo de repouso que se retorna à raiz. Quando todos os animais estão dormindo, voltam a entrar no silêncio, que é o silêncio de todos os seres. O silêncio de um cachorrinho dormindo é o mesmo silêncio de um homem dormindo. Nessa hora, todos os seres voltam à suas raízes, à raiz do seu ser. O silêncio de um homem vivo e que não está pensando é o mesmo silêncio do homem que já morreu e não está pensando.
O silêncio desse nosso mundo, dessa nossa dimensão, é o mesmo silêncio do outro mundo, de outra dimensão. Nosso universo possui infinitas dimensões que se interpenetram umas nas outras. O silêncio de todas as dimensões é o mesmo silêncio. O Vazio de todas as dimensões é o mesmo Vazio. A quietude de todas as dimensões é a mesma Quietude.
Isso é o que Lao Zi chama de “raiz de todas os seres”: o princípio inicial que é o Tao latente que gera e permite a manifestação de todas as coisas.
Como retornar à raiz? Na meditação taoísta, por meio de um processo de meditação profunda, quando se atinge quando o nível que é chamado de fixação – quando não mais se tem respiração, pulsação ou pensamento – chega uma hora em que se atinge uma dimensão onde se encontra um buraquinho. Esse ponto é chamado de Orifício do Mistério ou Portal Negro. Ambos significam aquele buraquinho por onde surge o universo e por onde desaparece o universo: uma espécie de buraco negro, onde tudo nasce e onde tudo desaparece.
Na técnica da meditação taoísta o espírito (mente/consciência) está unido ao sopro (ar/energia), o sopro segura a consciência e a energia vai conduzindo a consciência até uma “espaçonave” que entra dentro de um buraquinho, onde exatamente nasce, inicia e termina todo o universo. Nesse ponto iniciamos nosso mergulho no mistério.
Essa grande viagem é a viagem do mistério. Como entrar nessa viagem?
Através do extremo vazio e da extrema quietude todos os seres podem retornar ao princípio.
Apesar da personalidade, da cultura, da raça, da característica pessoal, apesar de tudo, cada um pode retornar à raiz; o regresso à raiz se chama quietude e a quietude se chama retornar a viver. A pessoa volta a viver o infinito, a vida infinita que volta ao Vazio e passa a abraçar o universo inteiro dentro de si.
A meditação é fundamental para alcançar a quietude, ela é parte essencial do conhecimento, mesmo sendo o mais simples de todos os conhecimentos. No Taoísmo, os mais altos níveis de técnica são os mais simples. O sublime Tao está no Vazio, na quietude, na simplicidade.
A prática da meditação é o exercício que faz com que nós – pelo menos por 10 a 15 minutos – fiquemos sem fazer nada. Nos sentamos no silêncio, sem pensarmos em nada , nem em coisas alegres nem em coisas tristes. Apenas ficamos no silêncio para acostumarmos a ter esse silêncio dentro de nós. Com a prática, ficamos mais calmos, mais relaxados, nossa saúde física e psíquica melhora. E percebemos que esse silêncio se instala paralelamente ao nosso trabalho, às nossas conversas com pessoas. E aprendemos a não perder tempo com as coisas, aprendemos a não compreender as coisas de uma maneira errada ou ilusória e aprendemos a não criar expectativas irreais. Com a visão mais clara, temos mais lucidez, menos desgastes emocionais e geramos uma roda positiva de vida, sem ilusões.
Todos nós podemos ficar um minuto em silêncio e nesse silêncio, tentarmos encontrar a quietude, a calma. Todos entendemos o que é o silêncio. E se entendemos é por que ele existe dentro de nós.