Nos rituais taoístas, as oferendas são compostas de: incenso/transcendência, flores/naturalidade, água/purificação, velas/consciência, frutas e alimentos/despojamento. O taoísta realiza sua oferenda como um exercício de consciência.
Wagner Canalonga, Sacerdote Taoísta, Regente do Templo em São Paulo
Jornal Tao do Taoísmo – n. 13 índice
A prática da oferenda, para o Taoísmo, tem um sentido muito amplo, profundo e transformador. Para um taoísta, a doação é muito mais do que uma simples caridade. É uma prática que estabelece a correspondência entre um sentimento e uma ação concreta que demonstra este sentimento. É um exercício de união entre visível e invisível.
Há dois elementos fundamentais na prática da oferenda: um gesto e um sentimento. O gesto é algo formal, visível, concreto, como por exemplo dar um presente a alguém. O sentimento, por sua vez, não tem forma, é invisível, abstrato. Por mais que uma pessoa afirme, confirme e reafirme gostar de outra, ainda assim o conteúdo de seu coração permanece um mistério…
Pode-se presentear alguém por interesse, por protocolo, por educação. Pode-se fazê-lo também por amor, por afinidade, por reconhecimento. Presentear é apenas um gesto. Sozinho, este gesto é oco, vazio, sem sentido próprio. É feito um cálice que pode conter água, vinho ou veneno. O conteúdo deste gesto é o sentimento, a motivação de quem presenteia.
O sentimento, por outro lado, não pode ser visto por si. O que eu sinto, o que eu penso, o que eu acho são coisas que pertencem à minha própria mente. Para que eu possa compartilhar isto com alguém, preciso de algum meio, de um veículo que me permita comunicar estes sentimentos para o outro. O veículo do sentimento é o gesto. O gesto concretiza o sentimento. Sem um gesto, não há como demonstrar o sentimento.
A oferenda, no Taoísmo, precisa ter este dois elementos em perfeita correspondência para ser autêntica. É necessário haver um sentimento sincero de devoção, de agradecimento, de reverência ao que há de superior, no caso, as divindades. Também é necessário um gesto, um ato visível, um sacrifício que demonstre este sentimento. Sacrifício no sentido de ser uma ação de tirar algo de si para ofertar à Divindade, por isto, um ofício sagrado. Sagrado porque a divindade não precisa do que é oferecido a ela, mas nós precisamos! Precisamos do recurso que ofertamos para a nossa própria subsistência. Seja o alimento, seja a roupa, seja o dinheiro, seja o tempo ou trabalho. Sagrado porque ao realizarmos a oferenda, não é a divindade que, agradecida, aproxima-se de nós. Pelo contrário, nós é que caminhamos em direção à divindade. Por quê? Pois liberamo-nos do nosso apego, da nossa mesquinhez, do medo de perder o que é “nosso”.
Muitas vezes me pergunto: qual o valor dos ensinamentos que os mestres sagrados nos deixaram? Qual o preço da dedicação e do esforço dos nossos mestres atuais em preservar e difundir os ensinamentos que usufruímos hoje? Como demonstrar o reconhecimento e a gratidão por todos aqueles que, no anonimato, dão sustentação a este tipo de trabalho, oferecendo seu suor, seu tempo, suas lágrimas, suas horas de sono e de descanso, oferecendo sua própria vida para seguir este ideal?
O Yi Jing (I Ching) diz: “ O Rei aproxima-se do seu templo”. Rei significa consciência. Templo é o local onde se reverencia o divino, as divindades, o Imperador Celeste que está acima de todos os reis. O Rei vai ao templo para fazer a sua oferenda, reconhecendo e reverenciando tudo o que há acima dele próprio, pedindo as bênçãos para o reino e agradecendo por tudo o que é oferecido.
Da mesma forma, o taoísta realiza a sua oferenda como um exercício de consciência. Não se enaltece, achando que está fazendo um gesto de caridade – isto aumentaria seu ego e poluiria seu sentimento. Não se amedronta, com receio que lhe falte o recurso doado – isto diminuiria sua confiança na divindade. Não se irrita por estar fazendo algo contra a sua vontade – pois isto seria uma tremenda agressão à sua sinceridade.
A oferenda do taoísta é feita com o coração repleto de alegria, por saber-se em uma tradição autêntica, de autênticos mestres iluminados. É feita com reverência e respeito, pela preciosidade dos ensinamentos transmitidos. É feita com gratidão, por reconhecer o esforço e a dedicação de todos aqueles que possibilitam este contato com a Tradição. É feita com a harmonia de quem se sabe caminhando rumo à iluminação da própria consciência.