Não crie um valor ilusório: você pode se tornar escravo dele.
Wu Jyh Cherng, Sociedade Taoísta do Brasil
Jornal Tao do Taoísmo – n. 18 índice
Quando nossa consciência ainda está no nível do apego, valorizamos, enobrecemos e admiramos demasiadamente a fama, a fortuna e o poder. O homem pensa que precisa ter prestígio social e, por isso, precisa ter recursos, ser famoso e poderoso. Para ter aquilo que não tem, se sacrifica, trabalha em excesso para ganhar dinheiro. Em alguns casos, rouba, faz truques, mente, engana pessoas.
A preocupação em obter ou manter fama, riqueza e prestígio tira a nossa paz. Uma pessoa, antes de alcançar prestígio, fica com medo e, na batalha pela conquista de destaque social e profissional, fica constantemente em estado de alerta e preocupação. Depois de conquistar posição e riqueza, também fica em estado de alerta: quem tem riqueza e prestígio se mantém em estado de alerta permanente porque tem medo de perder o que conquistou.
Quem não tem e quer ter, dedica toda sua atenção e preocupação para gerar dinheiro e riqueza. Quando conquista o que pretende, fica todo o tempo preocupado em manter a riqueza. É um tipo de preocupação diferente, porém, continua a ser gerada. Temos medo e nos sentimos inseguros quando não temos fama, não temos poder, não temos o controle da situação, não temos riqueza, não podemos dominar pessoas ou situações. No entanto quando temos tudo isso, nós ficamos igualmente com medo porque não queremos perder o que conquistamos.
Quem nada tem ou quer não fica em estado de alerta. Na verdade, o ser humano precisa de muito pouco para sua sobrevivência: comer, vestir, trabalhar, morar adequadamente. Existe aquilo que representa o mínimo necessário para uma vida digna e virtuosa e existe todo o resto, geralmente supérfluo, que pode ser dispensado.
Muitas vezes a pessoa entende como necessário algum valor apenas em função do conceito. Existem pessoas que só tomam uísque importado e outras que só usam roupas de grife. Quando o indivíduo se torna prisioneiro desse tipo de conceito, a vida se torna mais desgastante. Ele tem de trabalhar muito, se esforçar para conquistar coisas e, assim, se tornar feliz (ou pensar que está feliz). Obviamente, todos gostam de tomar um bom uísque e vestir uma boa roupa. O que é preciso deixar claro é que a prisão ao conceito de que isso é indispensável à felicidade pode tornar as pessoas desgastadas e preocupadas.
A conquista de prestígio gera orgulho e a humilhação por não consegui-lo provoca a ira. Uma pessoa que se sinta humilhada cria dentro de si um sentimento de raiva, já que nenhum de nós gosta de ser desprestigiado. Podemos não responder imediatamente nem diretamente, mas, lá dentro do coração, criamos a raiva ou o aborrecimento. Tudo ocorre num nível inconsciente, que nem chegamos a perceber. Estes sentimentos são explícitos ou não; aparecem ou não exteriormente.
Conceitos ilusórios
Quando buscamos por algo que a sociedade estabelece como um grande valor e não conseguimos obter, nos sentimos desprezados ou humilhados. O prestígio é o valor que nós determinamos ou adotamos porque outros assim determinaram. Os conceitos podem ser ilusórios. No entanto, a humilhação é um valor, assim como o prestígio também é um valor. Na verdade, a conquista e a perda não passam de ilusões.
O que é real é o que fica na alma.
A pessoa que guarda ira e humilhação dentro de si, não apenas prejudica sua vida emocionalmente como também, quando transmigra para uma outra vida, não leva o corpo de hoje nem a memória consciente, mas leva seus sentimentos. Ou seja: leva para uma outra vida ódio, humilhação, mágoas, tristezas etc.
Tudo o que se leu e compreendeu nessa vida não é mais lembrado quando se acorda como outra pessoa, em outra vida posterior. Apenas levamos conosco as nossas CAPACIDADES. Podemos ter lido muito nessa vida. No entanto, levaremos para a próxima vida uma grande capacidade para a leitura, mas não nos lembraremos daquilo que estudamos anteriormente.
Do mesmo modo, uma pessoa que se sentiu humilhada e desprestigiada nessa vida não se lembrará da humilhação e do desprestígio que sofreu, porém algo restará dentro dela que a levará a ter um temperamento infeliz e revoltado.
Isso é o que o Taoísmo chama de “semente”.
No fim da encarnação, a consciência e a vida se separam. Essa semente fica; levamos conosco para outra vida a natureza do sentimento que resta como personalidade.
Sementes Cármicas
Antes de virmos para essa vida, nascemos com um monte de sementes transmigratórias que trouxemos de outras vidas. Nascemos com mil apegos, vícios, frustrações, costumes, hábitos, mil loucuras, mil felicidades, mil desejos e, quando chega à hora da morte, esta grande aglomeração de memória que se chama “alma humana” se transforma em sementes cármicas.
Conforme a criança cresce, desenvolve o contato sensorial do corpo, as alterações emocionais e, assim, a direção de sua consciência muda. A energia oscila desordenadamente, ora para um lado ora para outro, num estado de dualização. A personalidade torna-se mais complexa e múltipla, gradativamente virão à tona as outras personalidades, aquelas que já existiam mas ainda permaneciam como “sementes”. Novos hábitos do cotidiano vão irrigando, como água jogada nessas sementes, os carmas que, por sua vez, se não nos mantivermos atentos, crescerão e frutificarão.
Como normalmente as pessoas criam carmas e vícios muito rapidamente, além de terem consigo as sementes ressuscitadas como uma floresta dentro de si – e cada árvore dessa floresta já traz novas sementes –, outras arvorezinhas brotam e um mundo de valores vãos é criado e nutrido. No momento da morte, carregam-se muitas dessas sementes adiante. Quanto maior a quantidade de sementes, maior a complexidade e o número de situações difíceis na vida.
Um realizador do Tao deveria ter grande força de vontade para se libertar dos apegos aos laços mundanos. Essa é a força que ele tem de conhecer, encontrar dentro de si mesmo. Ao mesmo tempo, o taoísta tem de ter um coração totalmente feminino, repleto de afetividade, receptividade e humildade, para poder abranger todas as coisas. O ser humano pode conviver com a fama e com a perda da fama, com a fortuna e com a perda da fortuna, com o poder e com a ausência do poder, sem se tornar prisioneiro dos sentimentos e dos conceitos de que essas situações são permeadas. Na verdade, a força a ser invocada, a ser cultivada, é a de dominar a si próprio com a força de vontade para transcender as coisas que prendem o homem aos caminhos da transmigração e aos mundos que o limitam.